As pessoas não aprendem todas da mesma forma. Essa verdade – que já pairava no ar durante o ensino presencial – foi escancarada na pandemia, quando as escolas migraram para o EaD e precisaram experimentar novas formas de ensinar. Esse “laboratório”, ao contrário do que possa parecer, tem potencial para beneficiar alunos com transtornos de aprendizagem, que são até 15% das crianças em idade escolar, conforme publicação da American Psychiatric Association. Para promover a educação inclusiva no ensino remoto, é preciso manter a mente aberta, observar e aproveitar as oportunidades que o meio oferece.
O que são transtornos de aprendizagem
Transtornos de aprendizagem são inabilidades específicas em determinadas áreas – como leitura, escrita e matemática – que provocam uma grande disparidade entre o potencial do aluno e o desempenho real dele nos estudos. Assim, é comum que estudantes com esses transtornos tenham suas capacidades ocultadas por essas inabilidades, passando a impressão de que o nível intelectual deles é inferior ao que é de fato.
Há também transtornos relacionados à comunicação e à concentração. Esses não são considerados de aprendizagem, mas têm impactos diretos sobre ela. Nesses casos, a lógica é a mesma. O potencial do aluno tende a ficar oculto por trás de suas inabilidades específicas.
A educadora Nadine Heisler, uma das fundadoras da Domlexia, que treina professores para a educação inclusiva, não tem dúvidas da grande capacidade intelectual dos neurodiversos. Em sua participação no webinar da ClipEscola “Educação Inclusiva: como os transtornos de aprendizagem podem ser trabalhados no ensino remoto”, ela afirma que apesar de pessoas com transtornos serem cerca de 15% da população, elas são 35% dos empreendedores do Vale do Silício, 50% dos cientistas da NASA, são aqueles que estão por trás das grandes inovações que mudaram a vida das pessoas nos últimos 100 anos.
Nadine, em contrapartida, destaca que as pessoas com transtornos de aprendizagem são 30% dos alunos que abandonam a escola, de acordo com dados norte-americanos. Ou seja, um enorme potencial pode estar sendo desperdiçado sempre que a escola não consegue identificar e trabalhar com os transtornos de aprendizagem de forma assertiva e evitar a evasão escolar.
Para a educadora, não olhar para essas diferenças e não trazer abordagens adequadas pode inviabilizar a vida do aluno. “Ele percebe que ele não está acompanhando a turma e isso faz com que ele se julgue, e muitas vezes ele se julga de uma maneira muito forte e cruel. Ele se acha incapaz, ele se acha incompetente, ele se acha burro”, declara. De acordo com Nadine, “as tecnologias educacionais vieram para ficar e vieram para ajudar”.
Principais transtornos de aprendizagem
Existem diversos transtornos de aprendizagem ou que a afetam. É normal que um mesmo aluno tenha mais de um, pois existem comorbidades comuns entre alguns deles. Muitas vezes os alunos com tais transtornos não têm um diagnóstico, porque os pais não sabiam que havia motivos para levá-los em profissionais como psicopedagogos, neurologistas, entre outros. Geralmente, o primeiro a perceber que há alguma limitação é o professor.
É a partir da percepção do educador que normalmente os pais são alertados e procuram por um profissional, e então o diagnóstico vem. Mas como notar se o seu aluno possui transtornos de aprendizagem ou outros?
É importante que os professores conheçam os transtornos e saibam quais são os sintomas. Dessa maneira, eles poderão alertar os pais e também buscar formas de explorar as fortalezas dos alunos com essas condições – estejam elas já diagnosticadas ou não – para que o potencial deles não fique mascarado por uma limitação específica. Confira quais são os principais transtornos e os sintomas mais comuns:
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Dislexia
A dislexia é um transtorno de aprendizagem bastante comum. Caracteriza-se principalmente pela dificuldade de associar os símbolos gráficos com a correspondência fonética deles. Devido a isso, o disléxico tem dificuldade de entender o que está escrito, de oralizar os textos e de transformar seus pensamentos em palavras escritas. É normal que o faça com lentidão e até com uma interpretação equivocada dos textos. Para o disléxico, é mais fácil se expressar por voz do que por texto.
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Disgrafia
A disgrafia é um transtorno que também permeia o campo textual, mas a dificuldade está na capacidade de caligrafia. A pessoa que sofre do transtorno costuma apresentar uma escrita ilegível, escrever com força no papel, confundir maiúsculas com minúsculas, espaçar muito ou pouco as letras e palavras e até confundir letras com aparência semelhante. Para quem possui disgrafia, é mais fácil digitar o texto do que escrevê-lo à mão.
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Discalculia
A discalculia é um transtorno de aprendizagem que afeta diversas capacidades relacionadas a números, como fazer operações matemáticas, entender os conceitos matemáticos, memorizar fórmulas, distinguir símbolos matemáticos, entender sequências numéricas, fazer o processamento de informações matemáticas de forma rápida e utilizar a matemática nas necessidades do dia a dia. Crianças com discalculia têm mais facilidade em aprender a contar utilizando objetos e brinquedos educativos como o ábaco. Jogos matemáticos lúdicos também ajudam bastante.
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Déficit de atenção
Déficit de Atenção (DDA) é um transtorno que afeta a aprendizagem e tem como principal característica a dificuldade em manter a concentração em qualquer atividade, seja ela algo agradável ou não. Manter o foco em alguma coisa exige um esforço muito maior para quem possui o transtorno do que para as pessoas em geral. Crianças com DDA têm mais facilidade em aprender fazendo do que assistindo a uma explanação.
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Hiperatividade
A hiperatividade é um transtorno que impacta a aprendizagem e se manifesta principalmente por uma agitação incontrolável, pela tagarelice e pela impulsividade. Como apresenta relação de comorbidade com o DDA (tornando-se então TDAH – Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade), a falta de concentração também aparece entre os principais sintomas. Alunos com TDAH também têm mais facilidade de aprender fazendo do que assistindo.
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Autismo
O Transtorno do Espectro Autista (TEA), ou simplesmente Autismo, é uma condição neurológica que pode apresentar muitas variações e intensidades. Algumas características bastante visíveis são o comportamento repetitivo, a dificuldade de relacionamento interpessoal, de comunicação social verbal e não verbal, e de identificação e expressão de sentimentos e emoções. Os autistas têm mais facilidade de aprender de forma visual do que verbal. Quando as informações são verbais, o ideal é que venham de forma gradual, e não muitas de uma vez só.
Como o ensino remoto pode favorecer a educação inclusiva
Neste momento, após entender um pouco mais sobre os transtornos, sintomas e facilidades, talvez você até já esteja com algumas respostas à pergunta desse tópico passando pela cabeça. Você percebe que o meio digital traz opções a esses neurodiversos que geralmente eles não encontram em sala de aula?
“O EaD, muitas vezes, é visto como uma coisa ruim ou de pior qualidade, quando de fato não é”, afirma a educadora Nadine. Ela ressalta que o importante é que esse processo seja feito com qualidade.
Vamos entender melhor como o EaD favorece a educação inclusiva, e como você pode trabalhá-la em:
Aulas
As aulas remotas são estruturadas sob bases tecnológicas. Por isso, há uma série de possibilidades que podem favorecer muito o aprendizado de alunos com transtornos de aprendizagem, veja algumas:
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Aulas assíncronas ou aulas síncronas gravadas
O meio digital possibilita que as aulas sejam gravadas. Podem ser transmissões ao vivo gravadas ou até aulas assíncronas enviadas aos estudantes. Algo tão simples como isso pode causar um enorme impacto positivo no aprendizado, em especial de alunos com algum transtorno de aprendizagem.
O estudante pode pausar as aulas quantas vezes achar necessário, voltar em uma parte que ele não entendeu e até assisti-las novamente quantas vezes quiser e nos horários em que quiser. Assim, tem a possibilidade de aprender no ritmo dele, que não necessariamente é o mesmo ritmo da turma.
Para a psicóloga Gabriella Pedrotti, que estuda a influência de novas tecnologias no desenvolvimento infantil e que também participou do webinar da ClipEscola sobre educação inclusiva, essa possibilidade de pausar as aulas é muito importante, e algo que faz falta no ensino presencial.
“Se passou, se perdeu, é difícil de recuperar. Depois a gente precisa de outros auxílios, outros apoios. E pela possibilidade de dispor daquele conteúdo, e escutar a explicação de novo, escutar e assistir o vídeo, perceber esse conteúdo de diferentes formas e depois fixar a partir de uma atividade, enfim, é uma forma que a gente tem de consolidar o conhecimento, cada um no seu tempo”, garante.
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Uso de diferentes recursos para o aprendizado
Ensinar por vários caminhos, utilizando vídeo, áudio, texto, debate, atividades práticas, etc., favorece muito o aprendizado. Primeiro, porque alguns alunos têm mais facilidade de aprender por um desses canais, e alguns por outros. Então, se só um canal é trabalhado, o aprendizado não chegará a todos. Segundo, porque isso permite a construção de momentos variados ao longo da aula, o que a torna mais interessante e capta mais a atenção dos alunos, algo fundamental para quem tem transtornos ligados à concentração.
É claro que no ensino presencial é possível utilizar diferentes recursos, mas a facilidade do meio digital para isso é incomparável. No EaD os professores estão explorando mais recursos multimídia e diferentes possibilidades do que faziam em aula, e isso favorece o aprendizado de uma forma geral, e em especial dos neurodiversos.
“Fica muito mais interessante quando um professor prepara uma aula e ele vai quebrando essa aula em vários momentos. […] Então de repente ele entra com um vídeo, de repente entra com uma atividade, de repente ele entra com uma discussão em grupo. Por quê? Porque a gente precisa ir puxando a atenção desse aluno”, afirma a educadora Nadine.
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Sala de aula invertida
A sala de aula invertida – modelo em que o aluno estuda previamente em casa o conteúdo indicado pelo professor, e depois pode tirar dúvidas e debatê-lo em aula – está sendo redescoberta no ensino a distância. Muitos professores perceberam que mesclar momentos síncronos e assíncronos é positivo, tanto em um contexto geral quanto em um mais específico, de alunos com transtornos de aprendizagem.
Nadine recomenda que, nesse momento assíncrono, os professores enviem materiais em formatos bem variados aos alunos, atingindo os canais visuais, auditivos e cinestésicos. Assim, os alunos poderão se preparar primeiro, no tempo deles, e com uma gama de opções para os estudos. Nessa proposta, as aulas ao vivo não serviriam para entregar conteúdo, mas sim para trabalhar a argumentação e as dúvidas que os alunos possam ter sobre o assunto que estudaram previamente.
Avaliações
As provas tradicionais não costumam ser favoráveis aos alunos com transtornos de aprendizagem, e frequentemente não refletem as reais capacidades que eles têm. No ensino a distância as escolas tiveram que repensar a forma de avaliar o conhecimento, tendo em vista que as facilidades para “colar” são maiores se a prova digital tiver as mesmas características da física.
Toda essa reflexão sobre uma nova maneira de medir o conhecimento pode ser favorável aos neurodiversos, porque dá a eles a oportunidade de mostrar o que sabem de outras maneiras. Confira novas possibilidades:
Avaliar conhecimento, não decoreba
A educadora Nadine conta que muitos professores a questionam sobre como avaliar no ensino remoto, já que o estudante está em frente à tela e pode achar a resposta na internet. “Se eu avalio nesse formato, em que o aluno pode copiar abrindo uma nova janela no Google para pesquisar, eu não estou avaliando a aprendizagem, eu estou avaliando decoreba. Eu estou avaliando o quanto ele memorizou, não a aprendizagem”, garante.
Para a educadora, uma opção é colocar questões na prova em que seja possível entender o racional e perceber se a criança sabe usar o conceito que foi dado na aula. Ela diz que é possível, por exemplo, apresentar uma situação real e perguntar o que o aluno faria para resolvê-la.
Além de sugerir que os professores busquem formas de elaborar as provas de uma outra maneira, Nadine também explica que as avaliações não precisam ser somente provas, podem também ser trabalhos de pesquisa e até argumentações em momentos de debate.
“Se a gente produz esse momento de debate e de argumentação, isso é uma forma de avaliação. Isso pode compor a nota do aluno. Quando o MEC fala que todos os alunos precisam ser avaliados, o MEC não fala em momento algum: ‘tem que ser prova de múltipla escolha com seis questões e três com pegadinha’. Em nenhum momento o MEC fala isso. O que ele fala é que o aluno tem que ser avaliado quanto ao seu desempenho. E ser avaliado quanto ao seu desempenho é isso, a gente pode avaliar de uma forma mais holística”, aconselha.
Formatos variados de resposta escolhidos pelo aluno
Para quem tem dislexia, avaliações que exigem respostas com texto ou de múltipla escolha são um terror. Já para quem tem autismo, a comunicação verbal é mais limitante. Cada transtorno tem particularidades, e avaliar de uma forma engessada pode impedir que o real nível de conhecimento do aluno sobre aquele assunto seja descoberto. Abrir o leque de formatos de resposta é uma forma de promover a educação inclusiva.
Conforme a psicóloga Gabriella, há muitas formas de responder a mesma coisa, e se a pessoa pensa de um jeito um pouquinho diferente, pode não encontrar uma alternativa em provas de múltipla escolha, e isso não quer dizer que a forma de pensar desse aluno esteja errada.
Em provas, por exemplo, o professor pode dar aos estudantes a possibilidade de responder às questões escrevendo um texto, enviando um áudio ou até um vídeo. O ideal é deixar o formato livre, para que o aluno possa escolher de acordo com o caminho que ele encontrar mais facilidade. Provas orais via transmissão ao vivo também são uma possibilidade.
“A gente pode se expressar de diferentes formas. Então a gente pode aproveitar o conhecimento que se tem a partir de cada particularidade desses transtornos e pensar de que forma a gente pode aplicar positivamente isso nas nossas avaliações”, recomenda Gabriella.
O que aprender com o EaD para levar a educação inclusiva para a sala de aula
O EaD aflorou muitas questões e fez a forma tradicional de ensinar e avaliar ser repensada. Depois de toda essa vivência, os professores e gestores terão a oportunidade de fazer diferente no ensino presencial, promovendo uma educação inclusiva e mudando a vida de alunos com transtornos de aprendizagem.
Uma maneira de fazer isso, conforme a psicóloga Gabriella, é gravando as aulas presenciais e disponibilizando-as depois aos alunos, para que eles possam rever o conteúdo quantas vezes precisarem, pausar em determinados trechos, voltar até determinado ponto do vídeo e aprender dentro do tempo deles.
Outra recomendação da profissional é que os professores disponibilizem materiais em diversos formatos sobre o assunto que foi abordado em aula, porque se alguns alunos não se beneficiarem das aulas expositivas, eles poderão consumir o mesmo conteúdo no formato de podcasts, vídeos, entre outros.
“A gente pode pensar justamente nessas ferramentas como algo que veio para agregar, para modificar e para fazer a gente repensar esse processo e beneficiar muitas pessoas que talvez antes não vinham sendo tão beneficiadas assim pelo processo típico de ensino e aprendizagem. […] Eu acho que a gente pode tirar muitas vantagens dessas modificações que aconteceram nesse período”, assegura a psicóloga.
A educadora Nadine também reforça essa importância de entregar o mesmo conteúdo em formatos diferentes e diz que o momento de pandemia deixou muito claro a necessidade de o professor estar preparado para lidar com as tecnologias educacionais. Para ela, o período trouxe muitos fatores positivos que não devem ser perdidos quando o ensino presencial retornar.
“Então acho que a gente percebe que o ensino híbrido pode funcionar. A gente quer muito voltar para o presencial, mas não vamos perder o que a gente teve de ganho em termos de utilizar outras mídias e até da sala de aula invertida”, pondera.
Como a ClipEscola pode ajudar a promover a educação inclusiva
A ClipEscola acredita que a educação inclusiva é uma questão de extrema importância e que deve ser promovida ao máximo possível para diminuir a desigualdade no aprendizado. A Plataforma de Transformação Digital que desenvolvemos aqui possui recursos bem completos nos campos de comunicação escolar, ensino remoto e híbrido, e eles podem ser de grande valia para estratégias que visem estimular a inclusão de alunos com transtornos de aprendizagem.
Para a questão de aulas e atividades, por exemplo, a solução possibilita que os professores enviem arquivos em diversos formatos para os alunos, inclusive vídeos com gravações de aulas. Não há problema se os arquivos forem pesados, pois tudo fica salvo em nuvem, sem consumir memória do celular do estudante.
Sabe o que mais? A plataforma permite que os professores utilizem o método de sala de aula invertida! Eles podem enviar os materiais previamente aos alunos de forma categorizada por disciplina. Depois, o professor consegue realizar aulas ao vivo pelas salas virtuais da ClipEscola para tirar dúvidas e promover debates.
Para avaliações, temos formulários que permitem a inclusão questões abertas, não apenas de múltipla escolha. Se o aluno quiser enviar a resposta por vídeo, pode fazer isso pela funcionalidade de agenda de recados. Outra possibilidade de avaliação para pessoas com dislexia é a aplicação de provas orais que podem ocorrer dentro das salas virtuais da ClipEscola. Solicite mais informações por aqui.
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