Em quantos momentos do seu dia você tem contato com a tecnologia? Nas sociedades modernas, ela é quase que onipresente. Começa com o despertador do celular pela manhã e segue até à noite, nos rodeando com dispositivos como ponto eletrônico, computador do trabalho, aplicativos de conversas, etc. Querendo ou não, dificilmente alguém consegue passar 24 horas sem ela. E se isso te faz pensar que todos já estão habituados a esse mundo digital, acredite, você está longe da verdade. Há quem tenha aversão a ele, e até de forma extrema, fenômeno que é conhecido como tecnofobia.
O que é tecnofobia?
Tecnofobia é o medo, resistência ou aversão à tecnologia, seja por falta de qualificação para o uso, traumas psicológicos, motivos religiosos, resposta intuitiva à novidade ou medo de ser substituído profissionalmente por uma máquina.
A tecnofobia pode se manifestar em maior ou menor grau. Há casos mais extremos em que o tecnófobo, ao ser confrontado com uma tecnologia que não domina, pode apresentar sintomas como respiração ofegante, palpitações, tontura, irritabilidade e outros sinais associados à ansiedade.
Tecnofobia no decorrer do tempo
Embora a discussão sobre tecnofobia seja recente, os traços da patologia podem ser observados ao longo da história. O surgimento de inovações sempre foi cercado por temores, e um de seus ápices foi durante a Revolução Industrial (XVIII e XIX), quando a mecanização despertou o medo de que o trabalho humano se tornasse dispensável.
Após a Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945) a tecnofobia se intensificou, pois o uso de tecnologia nuclear mostrou ao mundo o poder que o homem tem de empregar recursos com finalidades destrutivas.
O cinema também contribuiu para que o receio à tecnologia ficasse incutido no imaginário das pessoas por meio de filmes como Exterminador do Futuro (1985); Matrix (1999); Eu, robô (2004); entre outros.
Apesar do receio, o passo do progresso não desacelerou, e hoje boa parte dos recursos que já estão arraigados na sociedade são aqueles que no passado enfrentaram resistência, como luz elétrica, máquinas têxteis, equipamentos agrícolas e diversos outros instrumentos empregados para automatizar tarefas.
Medo do novo é atemporal
Assim como no passado, novos recursos tecnológicos continuam surgindo a todo o momento, e a resistência preliminar a eles não mudou. Se antes as máquinas de tecelagem eram vistas como uma ameaça ao emprego dos tecelões, hoje o aplicativo Uber é recebido com o mesmo temor pelos taxistas. As inovações mudam, a reação inicial a elas não.
Esse medo do novo possui explicações psicológicas. De acordo com o psicólogo e mestre Paulo Otávio Andrade, a subjetividade humana pode ser compreendida como um gargalo que pode se abrir ou fechar ao que vem de fora, e o formato dessa abertura pode ser influenciado pelas experiências de vida da pessoa.
Para ilustrar essa ideia, Andrade traça um comparativo com o caso de um bebê que acaba de vir ao mundo. “Ao nascer, o bebê cai em um campo desterritorializado, ao qual ele ainda não possui controle ou compreensão do que está se passando, e essa vivência tende a ser desesperadora”, explica. Isso acontece porque o bebê perde o “primeiro chão”, a primeira zona de conforto e segurança que possui – o corpo materno. Ele está “fora”, e começa a ser atravessado pelo desconhecido.
Conforme o psicólogo, é nesse contexto que a resposta intuitiva à novidade aparece, mas ela nem sempre será negativa, tudo depende de como a subjetividade do sujeito vai reagir às forças que vêm de fora.
A negação e a resistência ao novo, segundo Andrade, pode ocorrer por três motivos principais:
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Excesso de apego à zona de conforto
Raciocínio:
“Meus territórios atuais são tão confortáveis que não tenho a menor vontade de sair deles”
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Medo excessivo das forças que vêm de fora
Raciocínio:
“Sempre que precisei ir além dos meus limites, tive experiências negativas”
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Noção de que os territórios do sujeito (seus campos de segurança e conforto) não foram bem construídos e introjetados, de modo que ele não consegue nem ter um chão inicial para poder pisar e seguir em direção ao fora
Raciocínio:
“Quando vou ao desconhecido, não me interessa se não sei para onde vou, o que me interessa é que sinto que posso voltar”
No entanto, o psicólogo explica que estamos sempre interagindo com o mundo, e que a influência das pessoas à nossa volta pode nos levar a mudar de atitude. Se uma figura que temos como referência fala algo positivo, por exemplo, isso pode ser o suficiente para essa mudança, e o mesmo no sentido oposto.
Nesse raciocínio também, se outras pessoas de quem gostamos apreciam algo, tendemos a ser mais abertos para isso, e se alguém de quem não gostamos gosta de algo, temos propensão a ser mais fechados para tal coisa.
Luta ou fuga
Você já notou que em situações similares as pessoas agem de maneiras diferentes? No tocante à tecnofobia, por exemplo, o mesmo medo de perder o emprego que faz algumas pessoas buscarem qualificação para o uso de recursos digitais, em outras causa uma verdadeira aversão à tecnologia.
O motivo para esses tipos de reação, conforme o psicólogo Andrade, está em dois mecanismos básicos de defesa do ser humano: luta ou fuga. Eles são acionados quando nos sentimos ameaçados ou em perigo, e possibilitam o funcionamento harmônico dos processos subjetivos.
“Os mecanismos de defesa que serão utilizados pela pessoa são formatados inconscientemente a partir dos resultados obtidos ao utilizá-los em situações semelhantes no passado. Portanto, se uma pessoa se sente ameaçada pela tecnologia e opta por aprendê-la, podemos hipotetizar que ela tem um abertura maior para o desconhecido nesse aspecto e utiliza os mecanismos de luta como recursos de defesa. Aquele que se esquiva da tecnologia (com prejuízos na vida social), fala mal ou foge dela como modo de justificar seu afastamento, tem uma abertura menor nesse aspecto e possivelmente, em suas experiências passadas, desenvolveu os recursos de defesa básicos voltados à noção de fuga”, esclarece.
Como Andrade ressalta, nas ciências humanas as relações de causalidade não são determinadas tão facilmente, então trabalha-se com o estabelecimento de correlações. Por isso, as possibilidades citadas devem ser tratadas no campo das hipóteses, já que para uma análise mais precisa é necessário investigar a história completa da pessoa.
Tecnofobia nas escolas
Profissionais de diversas áreas podem ser afetados pela tecnofobia, inclusive os do campo docente. Se você ainda não se deu conta a dimensão do problema, vou te dar uma dica: Educação 4.0! Percebeu o que há de errado? Como professores que sofrem de tecnofobia podem preparar alunos que já chegam em aula cada vez mais informados e que precisam ser preparados para as necessidades de um mercado no qual as tarefas manuais praticamente não têm mais espaço?
Muitas vezes, os professores que sofrem de tecnofobia até fazem uso de algumas tecnologias para entretenimento, como redes sociais e aplicativos de conversas instantâneas, mas têm medo de utilizar sistemas tecnológicos fora do contexto de lazer.
Para o estudioso Marcelo Bitencourte, bacharel em Sistemas de Informação, pós-graduado em Computação Forense e Perícia Digital e autor do estudo Efeito da Tecnologia no Conhecimento das Crianças na Utilização de Ferramentas Digitais em Escola Pública, a tecnofobia, quando ocorre em professores, não afeta somente a eles, mas também as pessoas com as quais eles se relacionam.
O profissional cita o exemplo de um pai mais instruído tecnologicamente que deseja buscar informações sobre a rotina ou as metodologias usadas no aprendizado do filho. A ferramenta de mais fácil acesso para isso é o smartphone, que costuma ser transportado no bolso. Sendo assim, provavelmente o primeiro contato do pai com a escola será por esse dispositivo. Mas se do outro lado ele for atendido por uma pessoa que não domina a tecnologia, poderá ter uma experiência ruim e pensar que ela se aplica aos processos e instalações do colégio onde o filho estará.
Para Bitencourte, é preciso que haja uma adaptação coletiva quanto ao uso correto da tecnologia, para que não sejam criados nas escolas esses arcabouços de insegurança e tecnofobia.
Qualificação
Até para que a instituição de ensino mantenha aquecido o conceito de Inteligência Competitiva, Bitencourte acredita que o papel dos colaboradores é fundamental. “Serão eles que agirão como agentes da transformação digital para demonstrar os valores e os diferenciais competitivos da escola”, garante.
O profissional reitera que quem quiser se manter atraente ao mercado deve buscar mitigar as causas da tecnofobia com momentos de autoaprendizagem em informática e tecnologia como um todo.
“Por se tratar de um contexto social, a tecnologia está amadurecendo de acordo com o que a sociedade vai se adaptando e entendo o valor. Assim, estar a par das evoluções tecnológicas é, além de um investimento pessoal, uma capacidade de se reinventar”, assegura.
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